Querido diário,

Eu estou de saco cheio. Quase nunca começo os textos com “querido diário“, mas o vocativo no começo faz muito sentido neste momento. Estou atravessando a décima sétima semana de isolamento social e, à essa altura, eu acredito que nada ficou no lugar. Ninguém é mais a mesma pessoa. Me atrevo a dizer que quem se sente a mesma pessoa fez a quarentena errada ou chegou atrasado para 2020.

Acordei desejando muito comer um bolo ou um chocolate e minha amiga querida me manda um brownie inteiro. Gostei? Sim. Apreciei bem mais do que apenas uma sobremesa. Ela me mataria se eu escrevesse aqui todos os detalhes sobre sua vida que eu adoraria compartilhar, mas, posso contar que: ela foi de uma pessoa “vitalmente inerte” antes da pandemia para alguém que proporciona os melhores conteúdos nas redes sociais (direcionados a um grupo seletíssimo de amigos, o qual tenho o privilégio de fazer parte), fez uma tattoo (que ainda não vi) e me manda comidinhas que ela mesma anda fazendo em casa. Os pedacinhos de chocolate dentro da massa daquele brownie, uma coisa tão nova dentro de algo tão óbvio… Aquela surpresa me deixou reflexivo.

Olho para as quatro paredes da minha vida e só penso em mudar tudo. Poderia fazer uma lista de insatisfações sobre o que não me cabe mais. Enjoei das paredes do meu apartamento e quero um diferente. Outras paredes. Outro endereço, talvez. Ligo o computador todos os dias esperando desafios diferentes dentro das minhas obrigações profissionais. Enjoei da minha pele toda lisinha e acho que quero ter arte no meu corpo. Quero usar uma nova paleta de cor nas minhas roupas. Quero ter bem menos roupas. Quero pensar em novos lugares para viajar. Quero ouvir pessoas que falam sobre outras coisas sobre as quais eu não estava pensando antes. Estou cansado do meu serviço de música que todo dia toca as mesmas coisas. 

Sinto que não me relaciono agora com gente disposta a saber sobre minhas angústias de agora. Eu entendo. Dá vontade de chorar, mas entendo. Cada um tem os seus próprios problemas e não é de hoje que sou consciente de viver – por minha escolha, que fique claro – num lugar onde as pessoas priorizam suas próprias agendas. Eu gostaria de mudar isso também. Jogar meu telefone pela janela e receber um novo, trazido numa bandeja, com contatos totalmente novos e desconhecidos. A verdade é que já vou para duas semanas abafando um grito no meu travesseiro. Uma das piores sensações é o desespero de saber que ninguém vai te ouvir.

E me recuso a ouvir qualquer acusação. Insatisfação não é ingratidão. Sou feliz com o que tenho, mas quero mais. Isso não pode ser um crime.

Eu acredito que o mundo exige pessoas novas e meu maior desejo agora é uma reconstrução total da minha pessoa. É um tempo novo, para novos profissionais, para novos homens. Me lembrei de um post em inglês que vi na semana passada em alguma conta (das milhares que ando vendo) sobre arte e design. A frase, atribuída a um autor desconhecido, dizia: 

Eu preciso ser uma nova pessoa para fazer um novo trabalho

- Autor desconhecido