Meu

Depois de um flashback grande para anos antes da linha do tempo dos capítulos, você deve imaginar que vou trazer a narrativa de volta para o tempo presente, alinhando tudo dentro de um padrão ao qual, a essa altura da leitura, você já se acostumou: um trabalho gráfico somado a um raciocínio de algum tema ou sentimento. Que isso vai acontecer, esteja certo. Meu aviso é sobre a linha do tempo. Não teremos um retorno abrupto e repentino para o presente. Seguimos aqui no tempo em que eu estava na escola de design. 2018 começando agora.  

“Como fazia o Rei” estava entregue e eu não acreditava. O cansaço era uma realidade que me dominava da cabeça aos pés. Naquele ritmo de estudos, não tínhamos tempo para muito descanso. O próximo trabalho já era apresentado a nós no dia da entrega do anterior, e a mente fervilhava de ideias querendo executar o próximo Michelângelo dentro do briefing novo. Talvez aquela rotina quisesse nos ensinar a como trabalhar sobre a pressão de uma demanda muito perto da anterior, e principalmente, que quase nunca na vida conseguiremos executar Michelângelos, por mais vontade que se tenha.

– Qual o significado do nome de vocês?

O professor jogou a pergunta no meio da sala e ela caiu como uma bigorna. A verdade é que muitas pessoas não sabem o significado do seu nome, ou simplesmente não gostam do significado. Na cultura brasileira, quase ninguém é batizado por causa do significado, uma vez que “enzo” ou “valentina” não significam nada de extraordinário. A ideia sempre é copiar nomes de pessoas ilustres. Santos. Personagens históricos. Ou filhos de ricos e famosos. 

Era o meu caso, inclusive. Me chamo Jefferson Rodrigo. E o raciocínio para chegar aí foi mais complicado do que se imagina. No Nordeste brasileiro, ter dois nomes é algo muito comum, diferente do que ocorre no sudeste. Meu primeiro nome foi Rodolfo Rodrigo, uma sugestão do meu pai, fazendo uma variante como o nome de Rodolfo Rodríguez, um importante goleiro uruguaio. Minha mãe queria manter o padrão de iniciais do nome do meu pai e do meu irmão, mas não gostaria de repetir o nome de nenhum dos dois em mim: a solução era um primeiro nome com J. Rodrigo já estava confirmado.

Foi meu irmão que me chamou de Jefferson pela primeira vez. A sugestão dele era Thomas Jefferson, um dos homens mais inteligentes que passou pela presidência dos Estados Unidos. O Presidente John F. Kennedy, ao receber um grupo de 49 vencedores do prêmio Nobel na Casa Branca em 1962, afirmou: “acredito que esta é a mais extraordinária reunião de talento e conhecimento humano que já foi reunida na Casa Branca– com a possível exceção de quando Thomas Jefferson jantava aqui sozinho.”

 

Anos depois, meu irmão e minha mãe revelaram a intenção de que meu primeiro nome fosse facilmente pronunciado em qualquer língua. Mas ele sabia que ser chamado de “Washington” não soaria tão elegante quanto “Jefferson” ou simplesmente “Jeff“. Versão abreviada que só recebi com 16 anos. Esse nome tem sua raiz em “Jeffrey” que quer dizer “Boa Paz”. De forma transliterada, Jefferson significa “Filho da Paz”. 

 

– Com o significado do nome de vocês em mente, desenhem uma marca pessoal. Como vocês gostariam de ser identificados como profissionais, levando em consideração não apenas o posicionamento, mas o que o nome representa.

Uma pombinha branca era um lugar comum? Sim. Mas era tudo o que eu conseguia pensar naquele nível de exaustão. Comecei a rascunhar no meu caderno e as asas do pombo me lembravam também a mão de uma pessoa… Que poderia segurar um lápis na esquerda, e tradicionalmente, seu ramo de oliva do lado direito. Fechei os olhos e o desenho estava pronto. Comecei a “copiá-lo” do que via mentalmente e tinha um bom rascunho inicial.


Porém, a tarefa não tinha terminado.

– Um segundo exercício é uma marca baseada num monograma. Agrupem as letras dos nomes mais marcantes do nome completo para formar um símbolo.

Depois de ver alguns exemplos de monogramas clássicos, fui retornando ao caderno e repetindo as iniciais tão desejadas pela minha mãe: JR. Várias vezes. Mudando a caixa dos caracteres, tentando formas específicas. Uma delas me lembrou também um pássaro. Mas esse era mais incisivo. Não era uma pomba. Era um pássaro que eu conhecia bem.

Quando eu tinha 15 anos, era meu último ano no ensino médio. Ao contrário de muitas pessoas, eu nunca me senti bem na escola. Todos os dias eram desafios grandes. O bullying diário, que era apenas verbal dois anos antes, se tornou cada vez mais forte. Minha falta de reação transformaram as agressões em violência. E em silêncio também. Hoje, nomes que me agrediam na escola são aclamados nas redes sociais. E quase ninguém acreditaria se eu os citasse. Meus braços feridos acreditavam. Eu costumava chegar da escola todos os dias, esconder os ferimentos de alguma forma, tomar um banho e dormir. No dia seguinte, acordava e era capaz de simplesmente ignorar as agressões do dia anterior. Poucos amigos meus sabiam da verdade do meu quadro, e baseados no universo do RPG, ganhei um codinome: Phoenix.
Foi esse o pássaro que vi no meu monograma e o desenhei. E saiu fácil. A lição sobre marcas pessoais estava aprendida: elas são fortes sempre que se aproximam e conseguem partir da nossa própria história. Boa parte da minha infância e da minha adolescência estava contada por aqueles dois símbolos. Alguns anos depois, eu viveria o desafio de contar a terceira parte da história da minha vida, onde essas duas encontrariam seu sentido. Ainda com vontade de fazer um Michelângelo (mesmo seguindo cansado para tanto), depois de ter trabalhado para tantas pessoas, marcas, serviços e causas, eu estava determinado a criar algo todo meu. Era hora de uma marca pessoal de verdade, e dessa vez ela não seria um trabalho de estudante.