Prólogo

Saint Leonard, 23 de dezembro de 2021.

Querida mamãe,

Eu imagino o que aconteceu alguns segundos antes da senhora ler estas primeiras linhas, segurando o papel com suas mãos trêmulas. Você abriu este papel com cuidado e o pousou em seus joelhos, para convencer-se em um instante que o papel estava muito longe para ser lido. Sei que mentalmente está criticando o tamanho da minha letra e de como misturo o que você considera letras maiúsculas no meio das minúsculas. Essas certezas me aquecem o coração e me fazem sentir que a senhora está aqui, mesmo sabendo que isso não é verdade.

A coisa mais comum na noite de Natal, é que uma mãe receba a carta amorosa de um filho. O que eu não tenho o menor orgulho de acrescentar a essa carta, é o endereço do remetente. Meu coração foi partido por diversas circunstâncias, que agora são conhecidas de várias pessoas, mas uma das principais mágoas é que não estou escrevendo de uma exposição em Londres ou de algum lugar na Ásia. Isso aqui é a prisão estatal, e nem mesmo o mais poderoso devaneio da minha imaginação pode mudar o fato de que estou escrevendo olhando ora para o papel, ora para uma grande grade branca. 

Eu também sei que a senhora não me criou para terminar meus dias num lugar como este. Peço perdão, mais um ano, por não estar em casa e principalmente por não atender suas expectativas sendo um filho tão gerado e projetado para ser um sucesso. 

Nenhum preso está totalmente bem, mas não posso dizer que estou mal. Os anos na cadeia me ensinaram a lidar com a situação e me adaptar, como fiz desde o dia em que saí de casa para morar num porão na Capital Federal. Posso dizer que até tenho amigos aqui, e é com eles que dividirei uma ceia de Natal, fornecida por algumas organizações que atuam aqui, como o que papai fazia quando estava vivo. 

Não cabe aqui me justificar e dizer sobre as circunstâncias do processo, ou sobre minha inocência no caso. Cabe apenas comunicar sobre as minhas saudades e esperar que, de algum modo, minha carta a abrace na noite de Natal. Hoje deve ser aniversário do Jorginho e eu queria que você sentisse esse abraço através do meu sobrinho. Diga ao meu irmão que estou com saudades e sinto falta dos conselhos dele. Bem, conhecendo o Jorge, sei que ele mesmo vai ler esta carta depois da senhora. O cotidiano sempre foi um grande inimigo. Ele não é a mais otimista das companhias. Sei que os dias nos dão ainda menos esperança, aliados à morosidade da justiça e a falta de clareza sobre as informações do processo. A inspetora Farias comentou comigo que alguma coisa deve acontecer este ano, pela pressão da opinião pública em resolver tudo o que aconteceu no Museu em 2019. Tudo o que me resta é esperar. Algo pode te alegrar hoje: eu não sou mais aquela criança impaciente que a senhora criou.

Feliz Natal, minha mãe. Eu te amo muito.

Jefinho