Sempre que você não conseguir compreender que estamos todos, sem exceção, vivendo a mesma história; sempre que não ficar clara a ideia de que todos podem até partir do mesmo lugar (o que não é necessariamente verdade), mas nem todos tem a chance de ter os mesmos meios para fazer uma trajetória uniforme, te falta Nordeste.
Sempre que te parecer complicado ver que a diversidade não é uma novidade progressista, e sim a principal lição que a natureza ensina em seu próprio movimento milenar;
Sempre que soar complicada a compreensão de que a luta pela sobrevivência é instintiva a todo ser humano, mas que alguns deles vêem nessa batalha a coreografia de seus dias desde o momento do seu nascimento, te falta Nordeste.
Sempre que você conseguir recitar o sobrenome da sua família e resgatar a história de seus bisavós apenas ao pronunciá-lo, e não entender ao mesmo tempo, que muitos sobrenomes escondem bastardias e histórias incompletas – o que te coloca num lugar privilegiado – te falta Nordeste.
Não te falta só o Norte, para onde se vai.
Te falta Leste. Te falta nascer do sol. Te falta a Ponta do Seixas.
Te falta encher os olhos de luz antes das cinco da manhã.
Sol de verdade. Sal de verdade. Mar de verdade. Amar de verdade.
Te falta Virgulino. Graciliano. Aurélio. Te falta Zabé. Luiz. Castro Alves.
Dandara. Zumbi. Patativa. Rachel. Maria Quitéria.
Caetano. Gil. Science. Te falta Jorge Amado.
Te falta Nordeste.
Sempre que não passar pela sua cabeça sobre como um povo sem pernas consegue caminhar, como plantadores sem chuva conseguem frutificar, como gente sem recursos consegue vencer, como multidões de asas cortadas pelos coronéis e oligarquias conseguem voar teimosamente pela história do Brasil, sim, te falta Nordeste.
Sempre que você me perguntar porque consigo ler a vida, as pessoas, a minha família, o menino na rua, a mulher na cidade, o cabra da peste, os bicos de renascença, o coração de muita gente, as tábuas das marés, as temperaturas altas e receber estranhos em minha casa sem marcar com antecedência, eu vou te responder: o que me faz entender tudo isso, é esse Nordeste dentro de mim.