Presente do pretérito
Existem muitos presentes do ponto de vista de quem está lendo agora. Há um presente dos fatos que você está vivendo, há o presente de onde escrevo e o presente da narrativa. Nesta altura aqui, você está no ponto ápice da palavra (e do tempo) “presente” em toda esta jornada que estamos seguindo juntos. Este é um capítulo que se passa exatamente no tempo em que foi escrito, o que me faz pensar que ele será intenso e especial. Bem, ao menos é o que desejo aqui do alto do primeiro parágrafo.
Quando tive a ideia de contar as histórias por trás dos meus trabalhos, tive uma preocupação que vai soar uma grande confissão: a variedade dos projetos em que estive inseridos. No dia em que tive o estalo sobre fazer isso, fui desanimado por uma realidade que queria me vencer: eu passei a vida toda trabalhando com design para um mesmo setor. Como ter histórias interessantes para contar sem diversificar os trabalhos em si?
No dia em que esse questionamento não me deixava descansar, eu caminhava de um lado para o outro no escritório onde trabalho. Desci as escadas muitas vezes com a desculpa de pegar água. Até que numa dessas descidas, meu celular vibra com uma mensagem de voz. Era o meu amigo Eduardo. Ou Duka, como vou chamá-lo daqui em diante (e como ele vai preferir ser citado aqui).
O Duka e eu éramos conhecidos, naquele momento, há quase 14 anos. Ele foi uma das primeiras pessoas com quem tive contato que eu poderia considerar como “criativo”. E nossas conversas sempre foram muito em volta de nossos processos criativos, desde quando tínhamos só 18 anos de idade e não fazíamos ideia do que realmente eram processos criativos. Eu olho para trás e me admiro ao perceber que nunca gostei da superficialidade. Ela nunca me agradou, muito menos enganou. Meus amigos de verdade são os que posso ter conversas profundas, e desde sempre, Duka e eu nunca conversamos num nível raso.
Mesmo com a pouca idade, ele já tocava instrumentos, escrevia textos lindos e músicas. Tínhamos muitos gostos em comum. Ouvíamos Brooke Fraser à exaustão. Até hoje se trata de uma de nossas artísticas preferidas, que lançava seu álbum Albertine naquele 2006. Um álbum muito sentimental, com relatos pessoais extensivos e uma capa simples: foto em perspectiva superior, num piso uniforme com o nome de duas pessoas com a mesma fonte e o mesmo tamanho. Brooke e a menina Albertine se conheceram quando a compositora viajou para Ruanda, envolvida em um projeto social. Nessa jornada de autoconhecimento e lembranças do quase namorado, Brooke encontra o significado para a própria existência. A gente se encontrava ali naquela história que embalava nossos dias de sonhar com um futuro que parecia nunca chegar.
Naquela época não tínhamos nada como o Pinterest. Os talentos de designers e fotógrafos eram testados pelo fotolog.com, um “pai” do que o Instagram representa hoje. Era ali que eu testava minhas aventuras com o Photoshop. O Duka aprontava das suas no design também. Ele até ganhou um concurso de capas feitas por fãs de uma banda, depois de termos ido à gravação de um DVD deles. Era ali no fotolog que postávamos todas essas coisas. Um dia, ele apareceu com uma frase que não conseguimos lembrar exatamente onde encontramos. A imagem de um muro pichado com o moto: “há que abandonar a solidão“.
Aquilo virou o moto da nossa amizade.
A frase era um tema natural porque, num dado passo da jornada criativa, a solidão é sua melhor amiga em muitos momentos. Carregar sua missão de vida é dar o braço para a incompreensão. E nada é mais presente para mim do que este sentimento. Lá atrás, na companhia um do outro, Duka e eu silenciávamos o mundo “dos adultos” para conversar horas sobre arte, literatura, poesia, música e design. Eu sinto muita falta desse presente no meu presente, mas nesse passado não muito distante, onde eu estava com a solidão à porta do projeto que iria mudar a minha carreira, eu não estava sozinho.
***
Escutei a mensagem de áudio. Eduardo me convidava para fazer a capa de um projeto musical que ele lançaria em breve. Um EP com algumas músicas. Nada com uma data muito certa, mas ele queria avaliar minha disponibilidade em desenhar a identidade visual para essas músicas. Parecia um grande “ok” do Universo. Eu estava decidindo pela coisa certa.
“— Claro que vamos fazer! Eu me sinto pronto para integrar um projeto assim“
[Continua]