“Não Sei”
Eu já contei, em algum momento, que tenho sérios problemas em dizer “não sei”? Já ouvi o apelido “enciclopédia humana” um monte de vezes. Talvez você imagine que meu passatempo preferido é fazer pesquisas aleatórias sobre qualquer coisa aleatória. E se o fez, imaginou certo.
Eu amo o termo “não sei“. Ele pode significar um monte de coisas em nosso dialeto português brasileiro coloquial, dependendo da entonação que se dá a ele. “Não sei” pode significar incerteza, problemas ou simplesmente a vontade de ocultar uma informação. Quando passei a refletir sobre isso, comecei a falar para as pessoas logo após dizer “não sei“:
“— Olha, é ‘não sei’ de ‘não saber’ mesmo, viu?”
Admitir que não sei algo é fruto de muito amadurecimento e muita terapia. Foi quando eu decidi que deveria seguir religiosamente com as sessões, mesmo de férias. Tudo em nome do resultado. Estava de férias na minha cidade natal, e tinha terminado mais uma sessão com meu psicólogo. Depois de mais uma caminhada na praia, com os pés na areia, voltei ao apartamento e recebi uma ligação bem inesperada para o momento.
Era a Malu Ornelas.
As fotos de “TodoJeff” que estão nas redes sociais bem no começo do projeto são dela. Foi o olhar de Malu que conseguiu captar a essência de uma nova aparência visual pra mim, me colocando em lentes de modo criativo e autoconfiante. Uma das melhores fotógrafas que conheço estava ali, dedicada a me dar uma nova identidade para o meu público e inclusive para mim mesmo. A Malu vive e trabalha em Botucatu, no interior de São Paulo. Muito renomada no segmento de moda no começo dos anos 2000, ela decidiu focar a sua mira profissional para outra área: fotografar para levar uma mensagem relevante para a sociedade. Foi pensando dessa forma que tive a honra de ser clicado como “TodoJeff” pela primeira vez por ela. Foi pensando nisso que ela me fez essa ligação.
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Visite o Instagram da Malu e conheça um pouco mais do seu lindo trabalho.
Quem já trabalhou com um artista formidável sabe que há uma particularidade no processo: a excentricidade. Todos eles tem um jeito muito particular no comportamento, e Malu não foge a regra. Ela é frenética. Eu acho que nunca li um parágrafo inteiro e coeso numa troca de mensagens de texto com ela. A ligação soava igual. Consigo contar como foi, mas ao contrário de algumas conversas que já narrei aqui, não consegui reproduzi-la.
A prefeitura de Botucatu, unida a entidades de promoção da igualdade racial, estava preparando uma campanha de enfrentamento ao racismo. Malu é branca, mas posso dizer que é uma das pessoas mais apaixonadas pelo movimento negro que já conheci. Ela ama valorizar nossa cor e nossa imagem em suas lentes impecáveis. Como resultado, protesta por nós enquanto trabalha nossa autoestima. Escrevo essas linhas de volta a Botucatu, me preparando para mais um ensaio com ela, deixando minha pele sob os cuidados de Pia, sua irmã, que tem o dom de fazer o milagre de me deixar espetacular.
Junto ao time do projeto, Malu procurava designers que conseguissem colocar os ensaios em outdoors. A ideia era simples: modelos foram escolhidos bem longe de um catálogo de modelos. Pessoas pretas comuns, do cotidiano, foram produzidas e clicadas em estúdio, com altíssima qualidade. Eles mesmos relataram momentos sutis de racismo, onde frases muitas vezes bem intencionadas, causaram dor e desconforto. A foto das pessoas empoderadas viria acompanhada de uma resposta igualmente forte a esse tipo de colocação racista. Tudo assinado pela frase: “não parece, mas é racismo”.
A missão em produção gráfica do projeto era a confecção de outdoors mensais, que seriam espalhados em pontos específicos de Botucatu. Quase como um calendário exposto, sem os meses do ano. Uma pessoa e um caso de racismo por mês. A campanha teria a força de uma manchete com a elegância de um editorial de moda. Esses dois mundos convivem forte no trabalho da Malu, e ela precisava transformar isso em uma campanha.
Neste momento, enquanto eu entendia o briefing e Malu explicava que precisava de alguém conectado à causa para um resultado excelente, veio a hora de fazer uma afirmação:
“—Eu não sei fazer outdoors”