“Não acredito!“
Este é o terceiro capítulo que começa sobre negativas. Vamos para mais uma que também aparece das mais diversas formas nos nossos diálogos, mas nada tão desconfortável quanto os casos anteriores: “Não acredito“.
Quase sempre usamos essa expressão em tom de surpresa, e inserimos o pronome quando esta negativa realmente se propõe a ser negativa. Não era o caso quando o Jonatas me ligou, para anunciar que sua data de casamento estava marcada. Eu tenho certeza absoluta que você tem aquele amigo que sempre foi meio, digamos, “desastrado” em sua vida amorosa. Eu não era amigo do Jhow (sim, eu criei essa grafia toda especial para escrever um apelido que já era conhecido de meio Rio de Janeiro apenas para meu uso) o suficiente para conhecer toda a jornada do coração dele. Nunca pude acessá-lo como eu gostaria, mas sabia de alguns fatos. Quando nos conhecemos, por exemplo, ele tinha terminado um noivado.
Escrever a narrativa dos meus trabalhos me demonstram o quanto que as histórias se conectam e como a minha crença na conexão de todo o Universo não é mera idealização, por mais que tenha vindo da minha própria cabeça. Quando conheci o Jhow, eu estava num shopping ao lado da minha cunhada e seu marido. Eles foram as primeiras pessoas para quem trabalhei em 2011, para executar a identidade visual de um casamento. Com eles, eu pude descobrir que uma das cerimônias mais antigas da história da civilização precisava de itens de identidade visual tal qual um evento ou uma marca, uma vez que as seguimos realizando na era da sociedade da informação.
Para ganhar contexto sem fugir muito do fio da meada, me sentiria muito culpado se não dedicasse um parágrafo para dizer que, ao lado do Jhow, eu pude viver a jornada de cura de tudo o que eu tinha passado no capítulo 05. A decisão do capítulo 07 foi ouvida por ele primeiro do que qualquer outra pessoa. Foi sob a liderança dele que tive uma chance de recomeço e vivi o meu maior crescimento pessoal e profissional em curto tempo, até aqui pelo menos. Ele é uma das pessoas mais criativas que conheço, e a nossa junção é algo desejado inclusive por muitas pessoas. Você deve imaginar que aceitei prontamente o seu convite em fazer a identidade visual do casamento dele com a Joyce, uma conhecida nossa de longa data. Como costumo fazer na maioria dos casamentos de amigos próximos, esse era meu presente para o casal.
Até hoje não consigo entender o motivo de eu esperar ter uma reunião de briefing cansada. Me preparei para falar sobre coisas óbvias, advindas das experiências anteriores que tive com desenhos para casamentos: paleta de cor, referências gringas, Pinterest, flores, metais… “Expectativas? Qual a cor do vestido? Onde vai ser a lua de mel? Ah, eu passei por isso e é esse perrengue mesmo… Fotografia vai ser com quem? Nossa! Que legal!”
Era um tempo estranho aquele, pelo menos dentro de mim. Começavam as medidas de flexibilização da pandemia e as pessoas começavam a frequentar cafés. Eu, pessoalmente, ainda não me sentia bem para sair. Meu terapeuta seguia me dando broncas, sessão após sessão, que eu deveria forçar a mim mesmo o contato social para além das pessoas de sempre. Que eu deveria buscar as pessoas com quem eu realmente queria conversar. A mente processava isso muito bem, mas minha mão não tinha forças de abrir o celular e começar uma conversa diplomática e amistosa no melhor estilo Jeff de ser. Eu me olhava no espelho e não me achava mais, como se tivesse um lapso de memória sobre quem eu era para mim mesmo. Me lembro da canção que ouvia na época em loop: “Eu vou chorar por isso depois / Agora eu quero diversão. Eu quero diversão“. Eu me forçava a trabalhar para esconder uma dor de abandono muito grande, como se o mundo todo tivesse esquecido que eu existia. Encontrar o Jhow, ainda que atrás de uma tela, era um “olá” de um passado que me aquecia o coração, mais do que trazia recordações ruins.
À época, meu amigo trabalhava na produção de eventos ao vivo: o coração pandêmico da economia brasileira. Ele foi uma das corajosas pessoas que decidiu faturar trazendo a tecnologia para aproximar pessoas, marcas, ministérios e serviços a seus públicos. Com isso, conseguiu dar conforto financeiro não só a si, mas a vários profissionais com quem trabalhamos antes e estimamos muito como pessoas. Falo sobre um passado muito recente e parte do presente que escrevo. Mas vale a pena escrever tudo isso no pretérito porque, ao me ler no futuro, você vai buscar por “Jonatas Felix” e ele pode aparecer trabalhando em algo totalmente diferente. Não vou arriscar prendendo-o a um determinado período.
A câmera se abriu e lá estavam os noivos, num café. Como acabo de mencionar, eles não estavam no grupo privilegiado de pessoas operando em Home Office. Entrei naquela chamada com o pensamento embotado e linear que comentei há um tempo atrás. Não muitos meses antes trabalhei em um outro casamento e o automático funcionou muito bem. Inclusive, àquela altura eu já estava pensando em fontes serifadas e suas combinações, quando eles começaram a me explicar como o casamento seria.
— Vamos nos casar na praia e não terá público algum. Ou nenhum material impresso. A identidade vai ser toda para redes sociais e tudo será eletrônico.
“Não acredito!“
Foi um choque. Eu literalmente acordei e vi que estava diante de algo muito único. Era um casamento, com os elementos de sempre, com uma experiência única: uma live na praia, muito cedo pela manhã. O amanhecer é uma marca na relação dos dois (e me deixou pensando se eu gostaria mesmo de assistir a um casamento tão cedo depois de um feriado nacional). O cenário? O mar do Rio de Janeiro. Azul e forte. Sabia que teria um fundo que não era uma tela branca.
O mais interessante na história era que eles sabiam bem as cores com as quais gostariam de trabalhar. Mencionaram um tom envelhecido de rosa (algo muito frequente nos casamentos da década de 2010) e algo com creme ou marrom. A combinação me parecia boa. Propus retirar o branco como necessidade de representação na paleta. Na minha opinião, preto ou branco estão tão presentes no cotidiano que nunca precisaram pedir licença a nenhuma paleta para interferir. Pensamos na vegetação e apareceu o verde musgo. Alinhando tudo ao rosa vintage, a paleta estava pronta.
Para a surpresa de muita gente, todo casamento acaba tendo uma marca, desde os tempos mais distantes. Os monogramas estampando desde o convite até os porta-guardanapos evoluíram em tempos onde os casamentos acontecem sem grandes festas. Desenvolver uma marca era necessária, e no caso deles, surgiu um insight que lhes abriu um sorriso:
— Soa bem para vocês se pronunciamos “Jow and Joy”? Sabe? Jow… Enjoy. Tem uma sonoridade bonita e a cara da mensagem que vocês querem transmitir.
Com o sorriso dos noivos, visualizei o que seria a marca deles. Simples e direta, em saturação baixa e completa, sem abreviaturas. O processo criativo tinha começado oficialmente ali.