De repente

Durante a minha primeira reunião oficial com Cris Galindo, meu olho percorria todos os lugares do ambiente. Tudo que pudesse me trazer informações visuais o suficiente para trabalhar numa identidade que atendesse às expectativas, sem me desconectar do que a Cristina tinha em seu próprio consultório cheio de texturas e pequenos detalhes provençais. E flores artificiais. Várias delas. Tudo em azul claro e amarelo. Até aquele momento, essa visão de um todo era turva demais, mas eu sabia que era um alvo a ser alcançado. A ajuda da Mari seria fundamental.

Naquele dia, eu tinha cometido um crime da prudência paulistana: esqueci o guarda-chuva e fui apanhado de surpresa. Consegui sair do escritório com um emprestado pela própria Cristina, com a missão de descartá-lo, justamente por quase não funcionar bem. Ele me protegeu durante a intensidade da tempestade. Curiosamente, esse era o mesmo caminho que eu percorreria semanas depois, com a caixa de álcool em gel, surpreendido pela pandemia e sua chegada repentina.

Foi só quando estávamos todos trancados em casa e a necessidade de presença digital aumentou para todas as áreas do mercado (fazendo crescer também a demanda dos designers e produtores de conteúdo), que Mari me ajudou a retomar o projeto de sua mãe. Com base nas propostas que estavam pré-desenhadas, pensamos na estética que o Instagram da Cris teria. Ele deveria ter o meio termo perfeito entre se comunicar com a maior fatia dos usuários daquela rede social (e, na minha opinião, também a maior fatia das pessoas que estão precisando acertar contas com a saúde mental), a geração Y e o próprio gosto pessoal de Cristina, junto à fatia de clientes contemporâneos a ela mesma.

Tomando esses dois desafios pela mão, eu precisava que aquela comunicação visual não parecesse deslocada para quem era a voz por trás de tudo. Ao mesmo tempo, ela não poderia soar ultrapassada. Os pontos de unidade desses extremos saltaram aos meus olhos sem muita dificuldade: simplicidade, elegância, cores e celulares. Amando ou odiando, esses dois públicos estão agarrados a seus telefones.

Eu acredito que Mari e eu fizemos um trabalho tão unificado que temos dificuldade em pensar onde um começou e o outro terminou. Me lembro de ter escolhido duas fontes limpas e elegantes para escrever as frases e chamadas. Mari pensou numa linha de fotos e numa paleta de cor que demonstrasse clareza na informação e objetividade nas imagens. E assim, criei bases editáveis para que começássemos a construir um feed juntos, usando o design das notificações de um iPhone como focos de atenção especial. Nesse ponto, já tínhamos uma linha editorial a seguir e conteúdos para ajudar a maioria das pessoas a enfrentar o tempo de isolamento social, ainda em seu começo.

A cereja do bolo era a coluna de frases. Outra ideia gigante da Mari. Uma forma de manter a paleta de cores e o “tom” que o feed planejado deveria ter naquela semana específica. Começamos a produção enquanto avançávamos no isolamento, e me lembro de montar e testar cada elemento enquanto checava o tempo todo se estava doente, ou não. A primeira frase do primeiro post dizia em letras grandes: “não saber o que fazer”, e eu usava uma base que Mari havia determinado para as imagens do website, que seguia esse mesmo conceito. 

Realizar um projeto em volta de saúde mental é muito sobre lidar com o não saber o que fazer. É sobre trazer uma linguagem de credibilidade e solução para problemas que não tem formato nenhum na cabeça de muita gente. A pandemia foi um agravante no quadro da saúde mental de todo mundo, inclusive na minha. Ao transformar as páginas de um livro de autoria da Cris chamado “Trajetória para o autoconhecimento” que a Síndrome do Pânico bateu à minha porta sem aviso algum. Eu buscava entender cada mensagem positiva e conselho prático como um passo para sair daquela situação, enquanto fechar o computador e ir dormir era uma tarefa que me arrepiava a espinha, várias vezes.

À medida que entendia o funcionamento da vida profissional de Cristina Galindo, a psicóloga, eu compreendia quem era aquela mulher e o que ela queria dizer. Posso dizer que encontrei o equilíbrio entre um posicionamento competitivo e suas peculiaridades pessoais. Cris é uma pessoa que ama azul, amarelo, flores, coisas feitas à mão e plaquinhas escrito “gratidão”. Não deixei nenhum desses elementos de fora de seus elementos visuais, mantendo a qualidade de quem quer chamar a atenção do usuário do Instagram, que aprecia a beleza. 


Este projeto me ensinou os benefícios de ser pego de surpresa: seja por uma oportunidade, uma tempestade, uma pandemia ou uma doença emocional. Ainda que a lista não seja apenas de coisas boas, o “de repente” pode abrir janelas para coisas realmente surpreendentes. Construir um projeto com uma amiga e profissional que eu realmente admiro, quebrar o tabu de não conseguir executar bem um projeto para a área da saúde (uma das que têm um conjunto de perfis menos criativos, em minha opinião), e claro, ter a oportunidade de mostrar meu trabalho a um público que normalmente não o veria.

Como diria a própria Cris, “quando acreditamos no universo, somos abençoados”.

A experiência de fazer parte disso me enche de gratidão! Não apenas sou agradecido pelo fato de que lerei esse texto no futuro e vou me lembrar que trabalhei e pude pagar contas durante uma das maiores crises que minha geração já viveu, mas me sinto grato por recordar este projeto como algo que me mostrou a importância de estar sempre aberto para as surpresas e para o suporte nos momentos de dificuldades. Ainda que eu viva num mundo que desencoraja a transparência em nossas declarações e relações, eu escolho permanecer vulnerável.