Re-agir

E chegamos à última semana de 2020. Pela primeira vez, pude sentir que as pessoas tinham medo de retrospectivas. Elas não se sentiam muito animadas em revisitar meses trancadas em casa, com uma economia estagnada, sob um governo que foi um mau exemplo para todas as nações do mundo, enquanto quase 200 mil pessoas morriam. Um cenário apocalíptico. Talvez o mais desastroso que pude vivenciar eu mesmo, sem um livro de história para intermediar. Uma frase foi muito repetida naquele ano: “viver um momento histórico é cansativo”, suspirou uma geração que nunca tinha vivido algo histórico de verdade.

A ação de 2020 não iria fugir à regra de causar uma reação. E foi com essa ideia na cabeça que Mari me apresentou o projeto que faríamos em volta da semana de Ano Novo e das retrospectivas de fim de ano. The UAU e-book é uma ideia fantástica onde a Mari reúne o melhor de soluções tecnológicas em torno de um determinado tema. Muito despretensiosamente, ela criou uma trilogia de livros digitais: o primeiro para falar sobre as soluções tecnológicas que a pandemia acelerou (e foram muitas!), o segundo para abordar como a tecnologia abraçou a luta antirracista, e um terceiro sobre como a tecnologia respondeu ao cansaço de vivermos fatos históricos: uma retrospectiva. 

A primeira identidade visual do UAU foi criada exclusivamente pela Mari e eu queria muito manter as características do projeto original. Pensando num clima retrô e usando as referências de design do ano, criei uma identidade inspirada em “Mad Max” e “De Volta para o Futuro” e achei que agradaria… O que não aconteceu.


Uma das minhas primeiras ideias para o UAU E-book… Reprovada.

Mari é totalmente conectada à geração Z, por causa de seu ambiente de trabalho. Próxima das mudanças tecnológicas do mercado e das redes sociais, é natural que ela se sinta mais familiar a uma linguagem de cores fortes e layouts irregulares do que sentar-se em meio a um ode às escolas modernistas de design. Um dos meus maiores problemas é a proatividade às ideias sem muita reflexão, e nesse caso, meu mau hábito me custou muito retrabalho.

O clima da década de 80 foi trocado por tons fortes sem tonalização, adesivos customizados e imagens sem saturação para o contraste. Um pouco incômodo, ao menos às retinas mais cansadas como a minha. O conceito era muito simples e ficou pronto assim. Às vezes o caminho para terminar um projeto de modo satisfatório é o óbvio, e somente o óbvio. Eu não me considero uma pessoa simples, e tenho orgulho de ser alguém complexo. Isso não significa que toda a minha arte precisa ser complexa, e o projeto em questão foi uma aula neste quesito. 

Levamos mais ou menos duas noites inteiras organizando os conteúdos e criando as imagens que serviriam de intervalo entre um e outro. O complemento de tudo veio com uma animação em gif clássico na página principal, trazendo imagens marcantes do ano de 2020, e uma série de adesivos customizados para os memes do ano que enumerei na reunião de briefing. Memes são minha paixão pessoal e levei poucos minutos para listar e guardar os links originais de cada um. Eles vinham no fim da retrospectiva, trazendo um respiro que os memes realmente fizeram acontecer no meio de um ano tão tenso. A essa altura eu não me sentia frustrado em não realizar um trabalho tão clássico. O resumo do ano foi pura desconstrução, então eu encontrava dentro de mim os motivos para fechar cada layout de modo tão desconstruído. Era um reflexo de como eu me sentia nos últimos dias do ano: desfeito, despropositado e levemente contrariado com o rumo que as coisas estavam tomando.

Um riso no canto da boca. Meu trabalho, que sempre foi tão conectado ao que eu sinto, encontrava expressão plena numa situação bem incomum. Eu não estava demonstrando o que eu gostaria de demonstrar que sentia naquele momento, mas, o que eu fui gentilmente forçado a mostrar. E nada era mais fiel à realidade que aquele sentimento. Fui para a virada de ano sem nenhuma expectativa, nem daquela noite e nem do que viria. Essa é uma sensação nova na minha jornada até aqui, mas talvez ser uma pessoa madura e calejada pela vida seja isso mesmo: nem sempre vai ser preciso reagir a tudo o que nos acontece.

Veja este projeto completo mo meu Behance.