A maioria das pessoas começa histórias e projetos através de um “sim”. Começo a escrever com uma música em mente, que revela um pensamento comum à maioria. Me posicionar do outro lado da Sandy, que sempre foi a criança perfeita e ideal de vida desejado pelos meus pais, é uma afirmação da minha identidade: nasci pra não caber em formas impositivas. 

Eu vi a vida se abrir pra mim quando eu disse sim.

Sandy

“Sim” tem cara de começo, tem jeito de começo, tem som e tem ritmo de começo. É numa afirmativa que projetos são iniciados, relacionamentos, casamentos, experiências, carreiras. Não discordo da maioria, mas já devo ter falado em algum lugar por aqui que estou vivendo o que poderia ser o maior campo de possibilidades na minha história até aqui. Tudo é inédito, tudo é imprevisível, tudo é bem incerto.

Esta estação da minha vida tem me ensinado que o contrário pode ser muito verdade, ou seja, muita coisa pode começar pelo “não”. Sabe, eu admiro muito as pessoas que sabem dizer não, e mais, admiro quem consegue fazê-lo com naturalidade, clareza e total ausência de medo das reações. Eu sempre tive uma atração pelo “não”, mas o medo de desagradar ou de perder uma oportunidade sempre foi maior do que a minha coragem em dizê-lo. Até que o dia chegou. Porque o dia chega pra todo mundo. 

Avalie o cenário comigo: sempre se diz “sim” diante de uma proposta. Não me venha com a ideia pré-fabricada que dizer “não” para uma coisa é dizer “sim” para outra. Eu não acredito mais num mundo tão preto e branco. Esta vida é feita de milhões de tons de cinza. As paletas de cor da vida não são planas, como a gente adora ver nos moodboards. Veja as plantas, o mar, o próprio céu que não é monocromático nem ao meio dia. Nada disso é só um tom de azul ou verde. A realidade está particionada, o que nos indica que toda a verdade é azul sim, mas contar a verdade envolve muitos tons da mesma cor.

Dizer “não” é declinar uma proposta sólida e cair no inesperado, no indefinido. É entrar no arenoso terreno de não se ter o que se poderia ter, mas ter escolhido não viver o que não se queria viver. Quando fiz 30 anos, disse uma frase que eu não imaginava que me acompanharia toda uma década. Verbalizá-la me faz encontrar eco a isso dentro de mim, e cada vez mais forte: 

Eu não faço ideia do que eu quero da vida. Mas já sei muito bem o que eu não quero.

Voltando a Sandy, minha música preferida na discografia da antagonista da minha infância (e paro para rir porque meus antagonistas sempre são as pessoas que todo mundo considera como os “mocinhos” da história) é “Discutível Perfeição” com sua clássica frase: “tô longe de ser a Madre Teresa”. E nesse ponto, a gente concorda, por mais que eu tenha dado passos mais distantes deste ícone da causa humanitária global. Se você vai cavar bem a vida de Teresa de Calcutá, vai encontrar alguém com questionamentos complexos, frustrações, síndrome do pânico e crises constantes de fé.

“Eu quero ser Teresa” é uma frase que tem muito a ver comigo e as Teresas que norteiam o meu coração: o legado da própria Madre; de Santa Teresa de Lisieux, doutora da Igreja, cuja vida e devoção por Jesus sempre fizeram minha alma doer; e Tereza, minha mãe. Essas três mulheres notáveis são espelhos que abrem a minha visão sobre o que negar.

Na minha caminhada rumo aos quarenta, dizer “não” fica cada vez menos complicado. Você se torna mais corajoso para assumir quem você é e onde você não quer ir. E eu não sou o tipo de pessoa que diz “não” com alegria. Muito provavelmente o faça com raiva, com desprezo e deboche, mas nunca feliz.

Eu disse “não” para viver sob o sonho de outras pessoas, mesmo quando as intenções eram muito boas. Eu passei a permitir que muita gente seguisse sua jornada sem mim, sem precisar do meu trabalho para enfeitar tudo. Eu me nego a ser lembrado apenas como designer para pessoas que têm pleno conhecimento que sou muito mais que isso. Eu entendo que sou muito forte atrás de um computador, mas eu me nego a ser reduzido a ser alguém apenas nessa posição. 

Eu disse “não” para o empreendedorismo. Respeito quem faz. Não é a minha praia. Não sou menos profissional por trabalhar para alguém que me dê o devido valor profissional, e receber um pagamento justo por isso. Não vou entrar em um sistema financeiro que pode ter sucesso comprovado, mas eu escolho a minha definição de sucesso. Digo “não” para o que você define que é sucesso. Me nego a olhar quem escolhe viver a vida focado em seus ganhos pessoais e ignorando a existência do outro, e dos outros mundos existentes no nosso. Não viverei uma vida egoísta onde tudo termina no que é meu. Minha viagem internacional. Minha família. Meus filhos. Eu fui criado e educado para mais que isso. 

Eu disse “não” para me emoldurar no formato do que a sociedade espera de um homem. Hoje eu entendo que existem as mais infinitas formas de performar masculinidade e isso me libertou.

Decidi parar de trabalhar o meu comportamento para parecer “mais homem“, quando os caras reconhecidos como “muito homens” não estão dando conta de seus casamentos, seus empregos, da tratativa com as mulheres (dentro e fora do ambiente corporativo), e aparecem nos jornais espancando seus enteados até a morte. Parei de tentar entender esportes com os quais não me identifico, desenvolver hábitos e ir a lugares onde não gostaria de estar, em nome de me “masculinizar”. Eu disse “não” para me odiar. Eu sou esse homem: preto, gordo, nordestino, sem pêlos, sem barba, sem filhos, sem “jeito de homem”. Se isso me faz ser “menos macho”, então tá tudo certo: não sou homem. Nunca fui visto assim a vida inteira, e não faz sentido correr atrás de uma reputação que nunca tive.

Convencido do meu futuro incerto, não vejo “a vida se abrir pra mim” depois de dizer não. Mas me sinto muito mais leve para colocar um pé na frente do outro…