Você já reparou como nos tornamos viciados em discorrer sobre algo na internet? Este texto é metalinguístico: ele versa sobre um problema, que aparentemente deseja combater, sendo (de certo modo) parte do próprio problema. Estou sucumbindo ao vício de dar a minha opinião quando me disponho a vir aqui, opinar sobre a mania de dar opinião. Meu sonho de infância se tornou um pesadelo: eu sempre desejei que as pessoas se colocassem mais e trouxessem suas ideias para a mesa. O que eu não imaginava é que muita gente tinha noções muito rasas sobre as coisas. E aqui mora o cerne da questão.
Eu me lembro das aulas de história, no Ensino Médio. Sem dúvida, as mais odiadas. A escola particular onde eu estudava também não colaborava: os professores mais carismáticos e bem pagos estavam nas ciências exatas. Os mais metódicos, nas biológicas. Sobravam os professores de humanas. Hoje, olhando para trás vejo que a direção escolhia pessoas sem o carisma e o domínio de palco dos professores de química e física. E esse parágrafo, que parece ser parte do meu “diário de turma” do terceiro ano, esconde um problema cuja conta só chegaria em 2018: as pessoas que não estudaram história o suficiente fizeram o que fizeram com o cenário da política brasileira. Simples assim. Um estudo aprofundado de história (isso mesmo, na escola), não consideraria a eleição de 2018 “uma escolha muito difícil“. Muita gente sabia que a maioria das pessoas da minha geração tiveram aulas de história na mesma atmosfera que eu. E seu objetivo foi cumprido.
Corte abrupto para os nossos dias: a verdade é que vivemos numa sociedade que se assemelha a um grande parque aquático feito de banheiras de plástico. Cada um nada em sua pequena banheira, moldada a seu gosto. Mesmo que seja cômodo que todos tenham suas banheiras, e o risco de afogamentos e acidentes seja nulo, isso não anula o fato de que existe um único oceano (ou sete, como você quiser), e que apenas ele oferece uma real experiência de mergulho e submersão com toda a complexidade da vida marinha. As mídias sociais podem funcionar como essas pequenas banheiras. É possível analisar tudo com segurança em nossas bolhas. Mas nada do que os algoritmos nos trazem é efetivamente profundo.
E quando eu digo nada, é nada mesmo. Se você vê a minha vida nos stories, não faz ideia do que acontece na verdade dela. O que publicamos é apenas uma parte editada, que tornamos apresentável para que nossa imagem saia “bem na foto”, seguindo o jargão que copiamos amorosamente dos anos 80 e 90. Você só tem acesso a uma parte rasa da minha vida, e ao me ver sorrindo, comendo ou viajando, pode apenas presumir que estou bem. Ficamos surpreendidos com a notícia de suicídios de pessoas que pareciam ótimas em seus últimos posts. Tudo é muito superficial.
Mesmo quando um conteúdo nos traz conhecimento ou até entretenimento, isso é raso. Um humorista precisa de muito mais tempo do que um minuto para fazer uma piada elaborada e com reflexão. Um professor precisa de muito mais que trinta segundos para ensinar um conceito completo e gerar aprendizado. Se na época da escola eram necessários pelo menos 50 minutos por semana de uma disciplina para que você pudesse ser aprovado nela, o que te fez esquecer disso? O que te faz imaginar que alguns segundos realmente te ensinam algo sobre alguma coisa?
Essa amnésia coletiva me motiva a fazer perguntas. E quando as faço a você, já as repeti para mim nos últimos meses todas as manhãs:
Onde você mergulha?
Em que assunto você está submerso?
Onde você não é raso?
Em que você é profundo?