“Cor do ano? Pra quê?”
Eu escuto isso todos os anos em que começo uma conversa em torno do anúncio da Cor do Ano, feito pela Pantone a cada mês de dezembro.
Pantone é a maior autoridade em cor que temos no mundo, atualmente. O modo como a seleção da cor que vai simbolizar cada ano é muito similar ao que já acontece com a moda: assim como os bureaus de moda ditam as tendências a partir da Europa, as autoridades em cor comunicam o que será a grande tendência para o ano seguinte.
Mesmo sendo a gigante em termos de estudos, especializações, categorização e venda de cor, a Pantone não é a única empresa a proclamar uma Cor do Ano. Com o aumento do interesse público em volta dos anúncios, vários outros estudiosos realizam chamadas semelhantes, inclusive antes mesmo do escritório nova iorquino do Pantone Color Institute.
Antes que você me torça o nariz, assim como ocorre com a moda, a escolha dos tons que vão ser referência para tecidos, audiovisual, decoração, design de produto e design gráfico não é o resultado do bel-prazer de um grupo de criativos. Há uma vontade muito forte (e maior a cada ano) de que as cores do ano tragam uma mensagem para a humanidade, um recado que os profissionais de cada área que acabei de citar tem a responsabilidade de amplificar e colocar sua identidade pessoal ao passar adiante.
A Pantone foi fundada nos anos 60, nos Estados Unidos. Segue com sede por lá até hoje. Depois de se tornar a maior fabricante de catálogo de cores, tornando-se um código universal de onde podemos reproduzir a mesma tonalidade de vermelho em uma gráfica no Brasil, na Nova Zelândia ou na Mongólia (e esse é o maior trunfo dos caras), foi necessário jogar o holofote dessa influência para a própria sociedade. Assim, nos anos 2000, a primeira Cor do Ano foi anunciada, criando uma narrativa que traz significado à história que ela quer contar. E essa história é… A nossa mesmo.
O projeto completa 25 anos em 2024, fazendo a Pantone se sentir orgulhosa em posicionar sua marca no centro do debate estético, saindo de uma mera vendedora de amostras de cor para uma completa inteligência no que diz respeito a impressão e tonalidades, oferecendo uma gama cada vez maior de produtos (que passam a ser usados nas casas das pessoas, como canecas e colchas de cama) e aumentando sua parceria com grandes marcas (como C&A, Motorola e Cariuma).
Ter uma cor do ano é importante para que tenhamos uma tonalidade em torno do que vamos combinar a ela. Essa cor é um centro de estudo para que, a partir dela, as paletas de cor se formem durante todo um ano. Ter uma cor do ano é importante para que, de algum modo, as áreas da comunicação visual possam se unir para transmitir uma mensagem à humanidade. E, por fim, ter uma cor do ano é importante para manifestar um posicionamento político, à medida que atravessamos as décadas.
E como todo posicionamento é público, a própria opinião pública tem absorvido tais referências de modo muito peculiar, decidindo inclusive sobre seguí-la, ou não. Isso aconteceu em 2023 e eu falei um pouco a respeito.
Algo que vai nos ajudar a entender o funcionamento disso na prática é um retrospecto de 25 anos de Cores do Ano. Sabendo que cor é significado, vamos conferir como cada um dos tons, de 2000 até aqui, trouxe sentido e expressou sentimentos das eras que já atravessamos. Clique nos textos e veja as cores em suas tonalidades oficiais:
2000: Cerulean
A cor do céu em um dia cristalino e sem nuvens pode ser uma boa tela em branco para que uma história comece. Assim foi definida a cor que abre o novo milênio, ao menos em termos simbólicos. Alguém se lembra como tudo foi altamente influenciado por essa tonalidade na virada para o ano 2000?
2001: Fuchsia Rose
Em 2001, o milênio estava oficialmente iniciado e a moda apontava para um futuro mais vibrante, fluido e não essencialmente masculino. Quem viveu a época lembra bem quando as marcas lançavam roupas com toda a cromia de Fuchsia, incluindo laranjas, verdes cítricos e azuis cobalteados.
2002: True Red
É só em 2002 que a Pantone começa a entender que as Cores do Ano devem acompanhar as previsões socioeconômicas do ano seguinte. O início da década era um momento intenso, que desenhava o que iríamos viver hoje. Esse tom de vermelho verdadeiro representou um aumento da intensidade do que o ano anterior já estava propondo.
2003: Aqua Sky
Seguindo em seu processo de entendimento das escolhas das Cores do Ano, é aqui que um hábito frequente da Pantone nasce: sempre que a intensidade chegou a um nível extremo, é preciso “apagar esse fogo”. É exatamente o que acontece aqui pela primeira vez, num movimento de acelerar e desacelerar que ficaria frequente nos anos seguintes.
2004: Tigerlilly
E depois de um jato de água sobre a terra aquecida, o que vai acontecer? As flores vão surgir. A primeira Cor do Ano inspirada numa flor aparece em 2004, representando vitalidade e uma resposta ao período de pausa que tinha acabado de acontecer.
2005: Blue Turquoise
Uma vez cheios de flores nas mãos, precisamos da gentileza para oferecê-las a todo o mundo. Uma cor que chama de volta esse sentimento e lembra a superfície do nosso planeta, comunica que o azul é uma cor comum a todos os ambientes da terra e a todos os países. A generosidade deveria ser assim também.
2006: Sand Dollar
Esse tom de areia bastante ousado, tinha a função de representar a preocupação com a crise econômica da época, remontando a textura da areia de uma praia tranquila, ou de um bom copo de café com leite. Ao mesmo tempo, também remontava às incertezas de atravessar um deserto.
2007: Chili Pepper
Passado o medo, era hora de voltar à ação. Chili Pepper é um tom que não planeja moderação em sua atitude, tendo um peso que preenche bem os layouts que ocupa.
2008: Blue Iris
Aqui, as redes sociais já eram um fato e o mundo se preparava para mudanças bem drásticas. Um tom de azul sempre inaugura novas fases, querendo falar sobre serenidade, mesmo em momentos bem agitados.
2009: Mimosa
Para algumas culturas orientais, amarelo é a cor da esperança (alguém lembra do brasão da esperança em Digimon Adventure?). Depois da crise econômica de 2008, a mensagem era de esperança por dias melhores.
2010: Turquoise
O tom de azul turquesa, muito querido no Brasil foi a cor que abriu a década passada. A inspiração era recriar uma pedra de jade, amuleto de sorte e símbolo de prosperidade em diversos cenários culturais, especialmente no mundo árabe. O primeiro passo na década nova se trata de avançar olhando para as profundezas do céu, ou do mar, avançando com ousadia no futuro e clamando por bênçãos. As décadas sempre foram abertas em tons de azul até aqui.
2011: Honeysuckle
Primeiro passo dado, plantadas a esperança e a coragem para entrar no desconhecido, a cena é de uma abelha entrando com velocidade no centro de uma flor para colher seu alimento. O tom de rosa simboliza esse mergulho na positividade. Uma cor que nos lembra as flores que amamos. Primavera. A economia dava sinais de avanço e o tempo sugeria uma energia para novos negócios.
2012: Tangerine Tango
Toda flor tem um objetivo natural: tornar-se fruto. A colheita sonhada na “polinização” do ano passado era realidade agora. Em 2012 ouvimos termos antigos como solução de negócio consolidado pela primeira vez: startups, influencers, e-commerce, social media. Foi o primeiro ano de integração do mundo dos designers digitais ao que a Pantone estava querendo dizer. A junção era uma explosão sedutora de vitamina C: um laranja forte, cheio de betacaroteno.
2013: Emerald
Na história das cores do ano, aqui é a primeira vez que falamos de pausa. Foi quando o design gráfico começou a discutir formas para voltar a conectar-se com as pessoas ao redor. A verdade é que a vontade de sair da crise fez todos trabalharem o triplo. O resultado? Todo mundo adoeceu. A Cor do Ano lembra exatamente o tom de verde que aparece nos hospitais. Algo já dava sinais de necessidade de ajuste.
2014: Radiant Orchid
Recebemos alta. E foi escolhida uma cor que desse um aspecto saudável à pele. Radiant Orchid era um tom violeta que realmente combina com a maioria das pessoas. É como se você desse flores a quem acabou de sair do hospital. Uma curiosidade é que Frozen, o maior sucesso dos cinemas em 2013 tem essa cor como tema principal em suas cenas.
2015: Marsala
O que acontece com quem sai do hospital e recebe alta? Volta para casa. Marsala foi a mais forte das cores do ano em termos de comércio, se tornando uma febre em termos de moda. Todos nós temos uma peça nesse tom de vinho amadeirado em nossos itens até hoje! Marsala é o nome de um vinho, que também lembra madeira, chá, frutos de café ou um grande pedaço de carne. Uma cor perfeita que nunca mais foi embora das vitrines de inverno até hoje. O objetivo dela era esse mesmo: aquecer, nutrir, aconchegar. “Esquece a correria lá fora. É tempo de ficar aqui em casa”.
2016: Rose Quartz/Serenity
Pela primeira vez, duas cores foram escolhidas para chefiar as cromias de um ano. Quando você está em casa, descansando, não é revigorante ver um lindo pôr-do-sol? 2016 nos chamava para fora outra vez, mas com mais calma que 2012. Contemplar o colorido do crepúsculo também nos dava consciência de diversidade. Foi nessa época em que a pauta de questões de gênero começou a ficar forte no mundo todo. Antes da polêmica com Damares Alves, o recado já estava dado: nem azul, nem rosa.
2017: Greenery
De acordo com a narrativa geológica, a primeira cor vista no planeta foi o verde. Depois do endurecimento do magma, com a existência dos continentes sobre a terra, surgem as primeiras plantas. A consciência de mundo que foi chamada em 2016, se desenvolve com um olhar para o meio ambiente em 2017, com um tom de verde bem primário, relembrando esses princípios da criação do próprio mundo. A escolha do tom de verde acontece logo depois da eleição de Donald Trump, cuja linha de governo negligenciou a ciência e a proteção ambiental. Era importante trazer uma linha de confronto nesse momento.
2018: Ultraviolet
Ultraviolet foi a cor do ano 2018, com um chamado místico. A religião é uma das realidades mais antigas do homem sobre a terra, e buscar o cosmo para as respostas do futuro é algo que a humanidade sempre fez. Seria a continuação perfeita para a narrativa de 2017. O público não achou a mesma coisa, fazendo com que o vibrante tom de violeta, com referências à canção homônima do U2, se tornasse Cor do Ano menos popular entre seus pares da época.
Sua função foi nos preparar para um mergulho no sentido contrário.
2019: Living Coral
Se eu pudesse inserir som enquanto você lê, colocaria os acordes de “Under The Sea”, tema principal de “A Pequena Sereia” aqui. 2019 segue a linha de consciência ambiental de 2017, trazendo o tom perfeito das barreiras de coral, num lindo contraste com a cor dos mares. Um chamado para a preservação do mundo, enquanto nos preparamos para uma nova década, onde o processo recomeçaria.
2020: Classic Blue
Abertura de década, o ciclo de fé estava pronto para começar. Classic Blue nos convida a olhar para a linha do horizonte, tendo confiança mesmo quando tudo parecesse muito incerto. Leatrice Eiseman, uma das profissionais envolvidas na escolha da Cor do Ano comentou: “Parece que o azul foi uma cor muito assertiva para 2020. Era sobre o medo do que poderia acontecer e uma forma de aliviar esse medo transmitindo confiança. Em retrospecto, era disso que precisávamos”.
2021: Ultimate Gray / Illuminating
Você tinha certeza do que iria acontecer em 2021? Eu nem quis comprar um planner. As duas cores do ano, ao contrário do que ocorria em 2016, não formam um conjunto. Elas são opostas. Pela primeira vez, um cinza aparece como Cor do Ano (tendência que já se mostrava possibilidade desde 2017), acompanhado de um amarelo. Eiseman complementa: “não sabemos como o ano será. Se um amarelo vibrante ou um tom cinzento e frio”. Juntas, as duas cores trazem o concreto e a luz do sol como dois símbolos daquilo que faz a humanidade persistir existindo mesmo no meio das mais adversas circunstâncias: a resiliência.
2022: Very Peri
Ao contrário de todas as demais, que já faziam parte do catálogo da empresa, Very Peri nasceu para receber o título de Cor do Ano 2022. Um tom simbólico de esperança, extraído de uma flor pequena, presente na flora das Américas. De modo representativo, essa pequena flor nasce do concreto de 2021, trazendo perspectiva ao período final da Pandemia de coronavírus.
2023: Viva Magenta
O mundo criativo estava imerso em uma nova realidade divisora de opiniões: a Inteligência Artificial. Para celebrar a vivacidade desse meio tecnológico, a Pantone se inspira nas entranhas do ser humano para criar Viva Magenta, um tom que gerou discussões e acabou sendo preterido por um tom original de rosa, acompanhando a estreia de Barbie – O filme.
2024: Peach Fuzz
A jornada foi longa nesses 25 anos. Pare um pouco e dê uma mordida num suculento pêssego. Sinta a textura do abraço daqueles que correram ao seu lado. A Inteligência Artificial realmente pode fazer coisas incríveis, menos aquilo que só podemos fazer entre nós: conviver e compartilhar. Esse tom simboliza um abraço quente, na linha de chegada de uma corrida longa, e que ainda continua. Mas, precisamos de uma pausa para, primeiramente, nutrir nossa alma e corpo.
Nesses 25 anos de Cor do Ano, é a primeira vez em que a Pantone escolhe um tom que tem uma harmonia com outras proclamações da Cor do Ano como a WGSN e a Revista Veranda. O retorno de um alaranjado fixa a ideia de nutrição que Peach Fuzz quer comunicar.
Laurie Pressman, parte do Pantone Color Institute, resume o processo de seleção da nova cor: “enquanto navegamos o presente e construímos um novo mundo, reavaliamos aquilo que importa (…). Com isto em mente, queríamos focar na cor que pudesse trazer a importância da vida comunitária e de se estar em companhia de outros. A cor selecionada para ser a Pantone Cor do Ano de 2024 tinha que expressar este desejo de estarmos proximos daqueles que amamos e a alegria que sentimos quando nos permitimos expressar aquilo que somos e só saborear um momento de quietude e solitude.”
De fato, a Inteligência Artificial ainda não aprendeu a substituir o calor de um abraço.