(4 de Junho de 2020)

Estes últimos dias, tem sido um tempo estressante e bem cansativo. Eu quero começar agradecendo a todos os meus amigos brancos que tem dado voz a pessoas pretas em suas redes sociais, Instagram Stories e afins. Obrigado por isso. Agradeço também a todos os meus irmãos pretos que tem compartilhado seus vídeos e histórias. Vocês tem trazido páginas e camadas novas à discussão, enriquecendo esse tempo de conversa.

Eu me junto a eles apenas hoje, porque encontrei um espaço onde posso contribuir com o debate. Eu gostaria de falar sobre três coisas:

1. Todos nós que estamos compartilhando nossas histórias, todos os pretos, falamos sob uma perspectiva, um ponto de vista de muita dor. São questões muito profundas e traumas muito sérios, dos quais não temos orgulho de falar. Ao contrário do que se tenta dizer por aí, e do que muitas vezes escuto em meu próprio ambiente familiar, a questão racial não é ‘mimimi’, e nós pretos não temos o hábito da vitimização. Pelo contrário, tomamos muito cuidado ao nos posicionar, de tanto que ouvimos que as nossas reivindicações são vitimização. Tanto que vocês não me veem postar muito sobre isso. Como todo rapaz preto no Brasil, conservo uma série de hábitos que me ajudam a não estar exposto a situações onde eu poderia sofrer algum tipo de violência racial. Eu quero dizer que dói muito falar sobre essas coisas agora, uma série de lembranças doloridas, as quais tínhamos aprendido a conviver e “deixar ali no canto”.

Mas, eu ainda acredito que esse processo é necessário.

2. A segunda coisa que eu queria falar é muito importante. Eu fiquei muito irritado no dia do #BlackoutTuesday com uma série de pessoas que tiveram atitudes deliberadamente racistas comigo postando um quadrado preto em suas contas de Instagram, dizendo que “vidas pretas importam’. Vale a pena lembrar da Bíblia aqui: Jesus ensina que, ao realizar uma manifestação pública daquilo em que você acredita, e em seu ensinamento ele vai usar as ofertas – demonstrações públicas de realidades espirituais internas, para os religiosos daquela época – ao criticar as pessoas que fazem isso publicamente mas sem resolver questões pessoais com o próximo, inbox.

Eu realmente esperava que, com todo esse movimento aparecesse, eu recebesse mensagens de retratação primeiro, antes de ver quadradinhos pretos postados por pessoas que são racistas, tem posicionamentos racistas, apoiam políticos racistas e tem o hábito de diminuir a luta pela equidade de raça em seu dia-a-dia. Isso acontece dentro de um contexto onde se faz necessário separar bem as coisas:

Gerenciamento de Crise não é empatia

Empatia é amor em movimento. E esse movimento quase nunca será visto on-line. Atitudes empáticas são reais e exercem impacto real sobre pessoas. Ao mesmo tempo, hoje há uma preocupação maior na Internet em não parecer racista do que ser antirracista. Isso acaba fazendo com que muitas organizações pressionem pessoas a tomar um determinado posicionamento em relação ao que está ocorrendo, e isso poderia ser totalmente válido se, ao mesmo tempo, muitas dessas pessoas acabem mentindo descaradamente em redes sociais, o que aconteceu com muita gente que eu vi postando que “vidas pretas importam”. Uma pena que eu conheça suas vidas e saiba que, para muitos dos que postaram, a vida das pessoas de cor não é importante.

Todo mundo tem o direito de crescer, se desconstruir, amadurecer e mudar de pensamento. O que eu acho engraçado é que, as pessoas que me mandaram mensagens inbox sobre o tema, inclusive para pedir perdão por algum posicionamento racista que porventura tenham assumido contra mim, foram exatamente as pessoas que jamais o fariam. E isso é empatia real. É preciso analisar onde está o posicionamento das pessoas.

Esta semana é bem decisiva mesmo. Sexta-feira e domingo são dias chave. Na sexta (5 de junho) é um dia onde os conglomerados corporativos costumam fazer seus anúncios e no domingo (7 de junho), as organizações religiosas fazem seus posicionamentos frente às comunidades que as integram. É muito importante ver quem vai se posicionar na sexta e quem vai se posicionar domingo. Se não encontrarmos PROGRESSO nesses dois dias de posicionamento, o recado está dado. Vidas pretas não importam para estas lideranças. O que importa é parecer não racista. Quem não se posicionar sexta e domingo estava apenas em Gerenciamento de Crise na terça passada.

3. Que posicionamento esperamos? PROGRESSO na conversa. Dar passos adiante na discussão sobre equidade racial é a promoção de protagonistas pretos nos lugares de elaboração de projetos e nos lugares de liderança. Se a população preta chegar num determinado lugar e não encontrarmos, no grupo de pessoas que toma as decisões daquela organização pessoas que se parecem conosco, cada vez mais fará menos sentido que sigamos dando suporte àquela visão.

Progredir é dar espaço – como o que você, que não é preto, está fazendo ao compartilhar este material – para que eu possa falar sobre uma comunidade que foi oprimida por séculos. Isso deve ocorrer no sentido macro e influenciar o giro econômico. Isso nos faz adentrar às esferas da distribuição de renda, posicionamento da população preta e periférica no mercado de trabalho, isso tem a ver com a observação da diversidade e representatividade nas empresas das quais consumimos produtos, na publicidade, e isso daria um tratado! Esse é o progresso que queremos ver acontecer.

Eu tenho muita expectativa que semanas tensas como esta possam fazer com que avancemos para o progresso e não para o retrocesso que aconteceu recentemente e foi parar no noticiário global.

Um mês depois

(6 de julho de 2020)

Eu não sei que nome os livros de história vão dar a este momento que o povo preto, meu povo, está atravessando em sua jornada desde nossa diáspora na África. Desde que meus tataravós deixaram o nosso lar, muitas foram as aventuras. Enquanto isso, os descendentes seguem lutando pela sobrevivência, numa busca eterna pela identidade, pelo valor, por uma perspectiva de futuro.

O que eu sei é que nada nunca mais será como antes. Enquanto escrevo, convivo com a realidade de entender a minha imagem como homem preto. Minha história, meu corpo, meu tom de pele, meu cabelo crespo que agora é enorme dá o maior trabalho para cuidar. Sou grato por pessoas que abriram a porta para que eu vivesse este momento, e me entregaram um legado de progresso para as próximas gerações.

Gente como a Madam C.J Walker, que inventou o condicionador de cabelo e reinventou o meu significado na sociedade desde o seu tempo, lá em 1900. Ela foi retratada lindamente em uma série na Netflix, interpretada pela magnífica Octavia Spencer. Para falar de tudo isso, minha amiga Jacqueline Machado, do canal PsychoCinema, me convidou para uma conversa gostosa de quarentena que você pode assistir aqui: