(Ou, um prólogo do capítulo 02)

A verdade é que são dias valendo por meses e meses valendo por anos. “Nesta altura do campeonato“, como diriam os fãs de futebol, perdemos a noção de tempo. E esta frase foi mais uma força de expressão. A verdade é que estamos numa estação de ressignificação. Tanto tempo em casa (ou fugindo de casa, para muita gente), tanto tempo dentro de um ambiente de incerteza, fez nascer novos olhares sobre o que considerávamos ser de novo (e sempre) a mesma coisa.

Enquanto escrevo, já não me lembro se fiz aqui a confissão de que eu desejei que algo assim acontecesse. Enquanto cantarolava “and I need some new love” no trajeto até o escritório, eu carregava dentro de mim o desejo de que algo mudasse a rotina. Por favor, não me julgue um fatalista, mas se a turma que acredita que explosões criam universos estiver certa, eu precisava de um “bang” desses no meu dia-a-dia. Eu estava sentindo isso sozinho em 2019?

As mudanças e inovações chegam disformes mesmo. Em um dia de quarentena, “hits” da Internet vem e vão com a mesma velocidade. Uns são cancelados. Outros são descancelados. Eu não quero trilhar nenhum passo sobre a tal cultura do cancelamento, mas algo está muito evidente no nosso “novo mundo”: as pessoas já não se sentem representadas por figuras que emulam a experiência humana de modo perfeito ou meramente estético. O espaço dos influencers de milhões de seguidores acabou, à medida que seus erros – antes escondidos no excesso de atividades que não os permitiam subir aos stories – se tornaram cada vez mais evidentes, e públicos.

Vagalumes pela noite

Não consigo comprovar com um estudo o que quero afirmar aqui, mas consigo falar do que tenho visto e ouvido. O movimento para longe dos que se consideravam “grandes influenciadores” foi substituído. Enquanto muitos destes profissionais não conseguiram deixar de exibir seus privilégios de vida enquanto quase 100 mil famílias entravam em luto, as pessoas começaram a olhar para suas próprias histórias.

Desde que comecei este blog, muitos foram os relatos de amigos, próximos e distantes, falando que estavam “retirando seus projetos do papel“. Gavetas abertas. Sonhos. Ideias. Pequenas e brilhantes como vagalumes, saindo pela noite escura das redes sociais. 5 meses de reflexão foram o suficiente para que muitas, muitas pessoas decidissem por parar de assistir histórias roteirizadas de 15 em 15 segundos, para começar a escrever suas próprias histórias.

Eu não me considero um profissional conhecido, mas, nas últimas semanas tenho tido tantas conversas sobre arte, sobre criatividade, sobre projetos. Alguns procuravam a minha ajuda para dar cor e forma a eles. Outros, apenas queriam o meu olhar e um incentivo a começar. E claro que não segurei nenhum encorajamento comigo. Já consigo ver o escuro da futilidade que era o meu próprio feed de notícias, ser iluminado por pequenos sonhos, post a post. É como se a bússola da história apontasse um novo norte, e por engraçado que seja, partimos de um surto coletivo. Um criativo surto coletivo.

Sigo na minha posição, como um bom operário, esperando (e trabalhando por) um dia todo completo e cheio de luz, num mundo novo que está chegando. Você consegue ver?