E eu me lembro do dia em que conheci uma das minas onde gente do meu povo foi escravizada em Ouro Preto. Aquela viagem foi inesquecível por vários motivos. Eu perdi o meu pai enquanto viajava, e recebi a notícia lá. Eu pude estar no interior de Minas Gerais pela primeira vez e entender muitas coisas. A mais importante delas foi sobre ver cair uma grande ficha, enquanto me abaixava para entrar numa mina de extração de ouro, onde muitos pretos perderam a vida para fazer pesar mais a coroa do Rei de Portugal. Aqueles momentos me trouxeram a ciência do quanto a escravidão foi pesada no Brasil e como a assinatura de uma lei, num contexto de favorecimento do agronegócio, e não de uma real política igualitária, não resolveria o tamanho da ferida. 

Só um pouco mais de um século de abolição não resolveram tantos outros de opressão e humilhação. De fato, as dores da escravidão nunca cessaram. 

Hoje foi dia 13 de maio e minha família diaspórica africana é morta todos os dias pelo estado brasileiro, em favelas e quilombos. Eu nem preciso me dar ao luxo de buscar um dado estatístico para soar mais verdadeiro. Você sabe, eu sei a cor de quem morre nas comunidades do Rio de Janeiro. Eu hoje entendo a cor da maioria das pessoas na periferia de Maceió comigo. Alguns amigos meus de infância foram mortos pela polícia. Eu sei a cor deles.

Um homem branco pode mentir numa Comissão Parlamentar de Inquérito e sair tranquilo para casa. Gente da minha cor precisa ser escoltada por seguranças quando entram em shoppings. 

Hoje foi dia 13 de maio e as crianças da minha cor continuam sendo ensinadas que uma princesa portuguesa libertou os escravos, quando sabemos que sua participação foi tão efetiva no processo quanto a do presidente da república na pandemia. Ele nem merece ter seu nome citado ou seu cargo escrito em letras maiúsculas, segundo a regra. Você honraria alguém depois de assassinar quase meio milhão de pessoas por opção?

Nós sabemos o que é isso. Milhões de pretos também foram mortos ao atravessar o mar, ainda que permanecendo vivos. Mortos para nossos antigos nomes, economias, posições e realidades. Fomos reduzidos a dados. E a datas. Datas como 13 de maio. É 13 de maio e muitas meninas pretas não sabem quem foi Dandara ou Tereza de Benguela. Me imagino como descendente delas, um dos muitos netos que a liberdade – pela qual elas lutaram com tanta força – conseguiu comprar. Me imagino porque não sei nada sobre meus antepassados. Sei que não eram pequenos. Eu sinto no meu sangue. Mas não sei quem são. Creio que seus espíritos me acompanham e me conduzem pela jornada. 

 

13 de maio e o órgão público responsável por manter vivo este legado de nossa grande família preta é presidido por um homem que não reconhece o significado da cor de sua própria pele. 

Hoje foi dia 13 de maio, e eu trabalhei o dobro para provar que mereço o meu lugar no mercado de trabalho, enquanto um cara branco – e, se comparado ao meu talento, medíocre – está ganhando o triplo em algum lugar, desligando o computador às 17:30. 

Ainda não é o dia de comemorar a liberdade. Ainda não.