A minha relação com o tempo mudou quando ouvi, algum dia, que “o tempo é um presente contínuo”. Essa explicação servia para mostrar o ponto de vista de Deus em relação às eras, onde Ele consegue enxergar tudo como uma “linha do tempo“, ao passo que nós – uma vez dentro da linha – só conseguimos olhar para o passado (e não alterá-lo) e imaginar um futuro (com um certo frio na barriga). A explicação fazia sentido e me empolgava o fato de que passado, presente e futuro aconteciam o tempo todo, plenamente, na eternidade. Os dias se transmutam entre os “três tempos” como o sol atravessa o céu, numa dança eterna de envelhecimento.


Eu consigo honrar o que vivi. Certo dia conversava com uma amiga através de mensagens de áudio. Tentando trazer uma mensagem de carinho em meio às decepções amorosas dela, disse algo que me fez parar para ouvir a mim mesmo (isso acontece só comigo?): “ao menos eu vivi. Eu lamento por todas as situações dolorosas que passei, mas cada uma delas me trouxe até aqui. Poucos viveram o que tive oportunidade de experimentar. Quase ninguém tem o privilégio de viver a minha história”. Eu honro o meu passado mesmo querendo alterá-lo. Cada uma das minhas decisões se transformou no meu presente e eu sinceramente acredito que minha vida vai mudar se ela ganhar um ritmo de gratidão.


Eu consigo acreditar que há mais. Não consigo prevê-lo, e num ano como 2021, não é sábio planejá-lo demais. Eu não sei o que vai ser, no fim das contas. Tudo o que eu tinha como muito certo no meu passado, simplesmente acabou no meu presente. Não sinto as mesmas coisas, não acredito nas mesmas pessoas, não tenho os mesmos amigos e não trabalho como eu imaginava que trabalharia. Isso é muito do que me frustra e, paradoxalmente, me enche de esperança de que tudo realmente pode mudar. Colocar o próximo pé adiante é uma decisão que se toma agora.

 Esse é o tempo onde tudo se desconstrói. Onde eu olho para mim e vejo mais perguntas que respostas. Onde eu questiono meus sonhos, repenso meus projetos, tento repetir meus ideais para ver se ainda fazem sentido. Compreendo que muito do que amava nesta vida nunca mais irá voltar, como papai nunca mais voltará a ser o meu pai.

Eu nunca esquecerei desse agora. Talvez tenha motivos para relembrar este momento presente mais que outros presentes que recebi na caminhada. Onde entendi que há um tempo determinado para todas as coisas. Aprendi que ver tantos amanheceres na vida me dava um largo saldo de sorrisos, guardados para o tempo certo. Um momento desconfortável, onde o tempo dói como navalha em nossos pescoços, uma multidão de pessoas conscientes de que o passado não volta, o futuro é duvidoso e o presente não termina… Como no próprio tempo.