Livro Aberto

Muito do trabalho de um designer é sobre entregar aquilo que as pessoas querem ver. É diferente da essência de um artista, que entrega aquilo que ele considera que deve entregar. Aqui temos uma das arestas que diferem design de arte. Sem querer contribuir para a polêmica questão, tive um encontro com a verdade de que estava me formando designer enquanto pensava em como o livro seria concluído.

A Panamericana gostava de formas. Vendo os trabalhos que eram considerados excelentes pela banca de professores deles, não valia muito a essência ou a arte envolvida nos projetos. Valia o “chamar a atenção”. Faca especial, formas, protótipos, maquetes… Tudo que enchesse os olhos e completasse com força uma exposição para mostrar ao público do que os seus alunos eram capazes. Que fique claro: os alunos. Nenhuma escola te ensina a ser incrível nem te dá o caminho para isso. Aqui, não tive exceção a esta regra. 

É claro que só consigo elaborar esse pensamento agora, anos depois. Naquela época eu estava preocupado em levar a minha essência. Sabe, mesmo depois de 11 capítulos eu não tenho certeza se a essência é algo que as pessoas realmente querem comprar. O que sei sobre isso? 1) Os designers de maior essência que eu conheço não estão ricos. 2) Minha essência é tudo o que tenho para vender. Então vai ela mesmo. Quando Luiz Gonzaga aprendeu a tocar tango, tocava pelo Rio de Janeiro inteiro e não tinha muito retorno. O caminho das pedras veio quando ele foi desafiado a tocar forró pela primeira vez. Aquela era a sua essência e esse passo o tornou Rei do Baião. Gonzagão também não morreu milionário, vale constar. Estou em boa companhia.

Os “fragmentos” da biografia deveriam formar um só objeto gráfico. Acredite, pensei em tudo. Rabisquei muitas sanfonas, dos mais diversos jeitos. Se Luiz Gonzaga chegasse para nos dizer que sua vida é um “livro aberto”, com certeza esse livro seria sua sanfona. Ali estavam reunidos todos os pedaços de seu coração quebrado. Era o lugar ideal para que eu colocasse o livro inteiro, e talvez fotos e mais material exclusivo. A ideia final veio depois de muitas tentativas e observações a uma sanfona de verdade, o que me inspirou para o fechamento de couro e as “orelhas” nas laterais. A intenção nunca foi um protótipo ou objeto em miniatura, mas um livro que lembrasse uma sanfona e ao mesmo tempo invocar as cores e a beleza das festas juninas. Um resumo do imaginário nordestino tão bem pintado pelo personagem principal do livro, em cores primárias, como quem vai começar uma pintura.

No dia da minha formatura, os melhores trabalhos daquele ano foram exibidos em grandes telas, no galpão principal da sede da escola. Eu tinha a expectativa de ter sido escolhido para fazer parte da exposição. No meu portfólio, entregue como condição para a conclusão do curso, eu tinha muitos outros trabalhos que expressavam quem eu era de uma forma muito mais visceral. Porém, a escola escolheu meu “Livro aberto” para se lembrar de mim. E isso tornou este trabalho ainda mais inesquecível. 

Pouco tempo depois, meu amigo Orlando e eu estávamos caminhando numa calçada na Vila Olímpia, logo após mais um de nossos cafés semanais onde conversávamos sobre trabalho e formas de como sobreviver à vida caótica trabalhando com comunicação em São Paulo. Brincando com a câmera (e filmando em alta resolução, porque Orlando não sabe fazer diferente até hoje), ele aponta para mim:

– Jeff, me conta um pouco da sua história no design.
– Não cabe nessa câmera!
– Não cabe?
– Não. Você não tem memória aí pra isso!

Naquele dia, meu amigo me encorajou que eu deveria contar essa história, de algum modo. Ela também deveria se tornar um livro aberto.